"It's good to be king", como diria o Mel Brooks. Nesse conturbado início de
século vinte e um, é quase tão bom ser geek. Do final dos anos 90 pra cá, o
mundo descobriu que os anos 80 (durante os quais a maioria de nós passou a
infância) foram muito, muito legais. O engraçado é que provavelmente os
anos 80 são mais interessantes hoje do que naquela época.
Sem entrar no mérito de decidir o que é mero oportunismo da nossa onipotente
mítia (como diz o Carlos Nader - afinal, é sempre culpa da engenharia
memética), há que se admitir: nunca foi tão divertido (e lucrativo) gostar
de desenho animado, histórias em quadrinhos, videogames e outras coisas
que, há bem pouco tempo atrás, eram coisas de criança (ou de manés).
É claro que existe o lado ruim do revival dos anos 80: o Paulo Ricardo e o
resto do RPM são um exemplo, apesar de eu achar que ninguém é imune ao
poder da indústria (tenho certeza que o Washington Olivetto é capaz de
transformar o RPM numa banda cool, nem que para isso for preciso matar um
integrante ou dois). De qualquer forma, é delicioso poder ver (quase) tudo
que você gostou um dia, quando era, criança, revisto, atualizado e batendo
um bolão.
Dia desses, por exemplo, eu comprei um Atari (como muitos de vocês devem
saber). É, um Atari mesmo, daqueles que a meninada jogava na época em que
Armação Ilimitada era novidade. Bom, pra falar a verdade, não é um Atari
qualquer; é um "heavy sixer", o primeiro modelo de Atari lançado nos EUA,
no final dos anos 70.
Até aí tudo bem, nunca neguei a minha veia nostálgica. O que mais
impressionou nesse caso, na veradade, foi a reação da minha mulher. Quando
contei à doce-e-sempre-bela Cyntia que ela ia poder jogar Megamania e Yar's
Revenge ("aquele da mosquinha") de novo, com o controle original, a menina
quase ficou maluca. O resultado é quase inimaginável: ela convidou meia
dúzia de amigas (é, plural, feminino, mesmo) para uma "jogatina" lá em
casa, regada a vinho, vídeogame e fofoca (ouch, vou dormir no sofá depois
dessa).
Outro exemplo, que é tema, aliás, desse texto de hoje, apareceu hoje, graças
a um milagre da tecnologia peer-to-peer (Kazaa lite rulez), em meu disco
rígido: o longa-metragem piloto da nova série do He-Man e os Mestres do
Universo. Ele mesmo, o defensor de Etérnia, herói de 9 entre 10 alunos da
segunda série em 1985.
O longa-metragem foi concebido para comemorar os vinte anos da série, que
estreiou em 1982 nos Estados Unidos, e obviamente meticulosamente
arquitetado para ressucitar todo aquele hype, posto em estado de animação
suspensa há uma década. O He-Man de 2002 é produzido nos EUA, mas realizado
na Ásia (provavelmente por desenhistas-escravos coreanos), e renasceu com
cara de anime (desenho animado japonês), sob os auspícios do Cartoon
Network.
Nada melhor para resuscitar uma franquia do que uma preqüência (ai, eu sei
que doeu, mas se "sequel", seqüência, vem depois, "prequel", preqüëncia,
vem antes, né ?), como nos mostrou o infeliz George Lucas com os novos
episódios de Guerra nas Estrelas. Pois é, He-Man voltou justamente com a
estória que todos gostariam de saber: como o bocó do Príncipe Adam entrou
pela primeira vez no castelo de Grayskull e se transformou, ao brandir a
espada, no homem mais poderoso do universo (caramba, acabei de me dar conta
quei isso soa bem gay hoje em dia).
O desenho começa uns vinte anos antes da série original, mostrando Randor,
pai de Adam, antes de se tornar rei de Etérnia (e de conhecer a terráquea
astronauta que viria se tornar sua esposa). O Capitão Randor, acompanhado
por Mentor, Aríete, e outros guerreiros de Etérnia, preparam-se para
enfrentar aquele que passaria a ser conhecido por Esqueleto (depois de "A
Piada Mortal", do Alan Moore, tenho certeza de que vocês podem imaginar como
aquele feiticeiro com cara de Ming, o Impiedoso, Imperador de Mongo,
transformou-se no conhecido arqui-inimigo de He-Man).
O resto é só curtição: todos os personagens estão lá, dessa vez mais legais,
com uma animação mais decente, e capazes de acrobacias à la Dragon Ball Z
que deixariam constrangidas as suas contra-partes da época do pirocóptero e
dos pirulitos do Zorro: Tee-la ("Tila" pra gente), capitã da guarda real,
Aquático, Maligna, Pacato, Gorpo, Homem-Fera, Mandíbula, a Feiticeira
(impressionante como agora a gente só se lembra da Joana Prado quando alguém
cita o nome)... Até personagens menos conhecidos, como o Multi-Faces e
aquele cara alado barbudo aparecem.
Admitamos, entretanto: não é uma obra-prima de animação (deixamos o título
para "Metropolis", do Osamu Tezuka, "A Viagem de Chihiro", "Princesa
Mononoke", "Perfect Blue", e vários outros, só para citar desenhos animados
com menos de cinco anos de idade). Nem é original (se fosse para votar no
mainstream, eu votaria no Tartakowski, criador do Laboratório de Dexter, das
Meninas Superpoderosas e de Samuari Jack). Mas é He-Man, porra ! O apelo é
irresistível. Não dá para não abrir uma six-pack de cerveja, e assistir, com
alguma nostalgia, os mesmos heróis de volta.
O melhor de tudo é que no fim das contas não se sai decepcionado. O desenho
é muito bacana (pergunto-me se um moleque de 9 ia gostar tanto quanto eu,
sem ter o background necessário para comentar "olha! a feiticeira agora se
parece muito mais com uma sacerdotisa egípcia do que antes" ou "o Esqueleto
é melhor em telecinese do que um cavaleiro negro da Força").
Diversão perfeita para um daqueles dias em que você pensa que já não cabe
mais nas roupas que cabia (ou que não enche mais a casa de alegria).
Um grande abraço,
Muriloq (que achou ridículo os franceses chamarem He-Man de "Musclor")
Recebida em Thu 26 Sep 2002 - 14:59:57 BRT